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A Reclassificação de Imóveis em Holdings e Seus Limites Tributários: Uma Análise da Jurisprudência e da Solução COSIT nº 7/2021

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Por Raphael Jorge Tannus


Resumo


Este artigo aborda a tributação das operações de venda de imóveis realizadas por holdings, com foco na distinção entre Holding Patrimonial e Holding Imobiliária, e na correta classificação contábil de imóveis como ativo imobilizado ou estoque. A pesquisa explora os limites da reclassificação de bens e as implicações tributárias que envolvem o IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e COFINS. O estudo utiliza a jurisprudência dos tribunais e Solução COSIT nº 7/2021, com base em uma metodologia de análise de conteúdo de jurisprudência de caráter exploratório e descritivo. A pesquisa discute a possibilidade de reclassificação de imóveis em holdings, os critérios de tributação e a interpretação de normas fiscais, evidenciando os gaps e limitações da legislação vigente.


Palavras-chave: Holding Patrimonial, Holding Imobiliária, Reclassificação de Imóveis, Tributação, Solução COSIT nº 7/2021, IRPJ, CSLL, PIS, COFINS.


Introdução


A estruturação patrimonial por meio de holdings é uma prática consolidada no Brasil, especialmente no contexto da organização e sucessão de bens familiares e empresariais. As holdings imobiliárias, em particular, têm sido amplamente utilizadas por investidores e empresas do setor imobiliário para otimizar o controle e a gestão de seus ativos. A venda de imóveis alocados em holdings, no entanto, suscita uma série de questões tributárias, em especial sobre a correta classificação da receita gerada, que pode ser tratada como ganho de capital ou como receita operacional.


A distinção entre Holding Patrimonial e Holding Imobiliária é central para a compreensão do tratamento tributário das operações de venda de imóveis. As holdings patrimoniais, em sua maioria, mantêm imóveis como investimento ou para geração de renda, enquanto as holdings imobiliárias operam com a compra e venda de imóveis como atividade principal. A jurisprudência dos tribunais, em conjunto com a Solução COSIT nº 7/2021, fornece importantes diretrizes sobre os limites da reclassificação de imóveis e as respectivas implicações fiscais.


Este artigo tem como objetivo analisar os aspectos tributários da reclassificação de imóveis em holdings, discutir a aplicabilidade das normas fiscais sobre a matéria e destacar as limitações encontradas na jurisprudência e nas orientações da Receita Federal.


Metodologia


A metodologia adotada neste estudo é baseada na análise de conteúdo de jurisprudência, com enfoque nas decisões dos tribunais sobre o tema da reclassificação de imóveis e suas implicações tributárias. O estudo é de caráter exploratório e descritivo, já que busca identificar e descrever os padrões e tendências nas decisões judiciais e fiscais, sem a intenção de testar hipóteses ou buscar causalidades.


A análise foi conduzida por meio de uma seleção criteriosa de jurisprudência relevante, incluindo decisões dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), bem como da Solução COSIT nº 7/2021. Foram examinados os argumentos jurídicos e contábeis envolvidos, a fim de entender como os tribunais e a Receita Federal tratam a reclassificação de imóveis e a tributação decorrente da venda desses bens.


Além disso, o estudo também investigou os dispositivos legais que fundamentam a reclassificação contábil e as diferentes formas de tributação, incluindo as Instruções Normativas da Receita Federal e as leis tributárias pertinentes, como a Lei nº 6.404/76, o Decreto-Lei nº 1.598/77, e as Leis nº 9.249/95 e nº 9.718/98.


Tipos de Holding: Diferenciação e Características


As holdings são estruturas empresariais utilizadas para administrar e controlar o patrimônio de grupos familiares ou empresariais. Elas podem ser classificadas de acordo com sua finalidade e atividade, sendo as principais: Holding Patrimonial e Holding Imobiliária. Abaixo, estão as distinções e características de cada uma:



1. Holding Patrimonial


A Holding Patrimonial tem como objetivo principal a administração do patrimônio familiar ou empresarial, incluindo bens imóveis, participações em outras empresas, investimentos financeiros, entre outros ativos. Ela não realiza atividades comerciais regulares, mas se dedica à gestão e à proteção do patrimônio de seus acionistas.


Características principais:


Objetivo: Gestão de bens, controle de participações em empresas e otimização de impostos relacionados à sucessão patrimonial.


Atividades: A holding patrimonial não tem como atividade principal a compra e venda de bens ou serviços. Ela se ocupa da administração, investimento e proteção de bens e ativos.


Tributação: A tributação ocorre principalmente por meio do ganho de capital, no caso de venda de ativos, e da receita operacional apenas em situações específicas, como a locação de imóveis ou outros ativos.


Benefícios: Proteção do patrimônio familiar, otimização da sucessão, possibilidade de redução de custos tributários em caso de falecimento dos sócios e divisão de bens, além de facilitar a administração e a transferência de patrimônio entre gerações.


2. Holding Imobiliária


A Holding Imobiliária é uma empresa voltada para a exploração de atividades imobiliárias, como a compra, venda, locação, loteamento, incorporação e construção de imóveis. Ao contrário da holding patrimonial, que se dedica à administração passiva de bens, a holding imobiliária tem uma atividade operacional como atividade central de seu objeto social.


Características principais:


Objetivo: Gestão e exploração de ativos imobiliários, com foco na compra, venda e locação de imóveis.


Atividades: A holding imobiliária opera de maneira ativa no mercado imobiliário, realizando negócios de compra e venda de imóveis, incorporação imobiliária e até loteamento.


Tributação: As receitas obtidas com a venda de imóveis são tratadas como receita operacional, sendo tributadas pelo lucro presumido, com a aplicação dos percentuais de presunção de 8% para o IRPJ e 12% para a CSLL. Além disso, incidem tributos como o PIS (0,65%) e COFINS (3%).


Benefícios: A holding imobiliária permite a centralização e a gestão de imóveis de forma eficiente, oferecendo vantagens fiscais, como o uso do regime de lucro presumido e a redução de custos tributários.


3. Holding Familiar


A Holding Familiar é uma variação da holding patrimonial, criada com o intuito específico de administrar os bens de uma família. Seu principal objetivo é a organização, proteção e sucessão de patrimônio entre os membros da família, buscando minimizar disputas entre herdeiros e otimizar a gestão dos bens familiares.


Características principais:


Objetivo: Administração e sucessão de bens familiares, gestão de empresas ou participações em outras sociedades familiares.


Atividades: A holding familiar pode administrar imóveis, ações, participações em empresas e outros bens pertencentes à família. A gestão é feita com o objetivo de manter e proteger o patrimônio ao longo das gerações.


Tributação: Semelhante à holding patrimonial, a tributação ocorre principalmente por ganho de capital e receita operacional em casos de locação de imóveis ou participação em outras empresas.


Benefícios: Facilita a sucessão patrimonial, reduz a carga tributária sobre heranças, organiza o patrimônio de forma centralizada, e facilita a gestão familiar.



4. Holding de Participações


A Holding de Participações (ou Holding Participativa) é uma empresa cujo objetivo é controlar outras empresas por meio da posse de participações acionárias ou cotas sociais. Ela é utilizada para centralizar a gestão de várias empresas ou investimentos em diferentes setores.


Características principais:


Objetivo: Controlar e administrar outras empresas ou participações em negócios diversos, como grupos empresariais ou conglomerados.


Atividades: A holding de participações pode atuar em qualquer setor, desde que possua participação significativa no capital de outras empresas.


Tributação: A tributação pode variar dependendo da natureza da empresa controlada, mas em geral, ela será sujeita à tributação sobre os lucros das empresas controladas e a distribuição de dividendos.


Benefícios: Centralização da gestão e controle de empresas, otimização tributária em grupos empresariais, e a possibilidade de realizar transações entre empresas do grupo com benefícios fiscais.


Jurisprudência Analisada


A jurisprudência analisada neste artigo aborda as decisões de tribunais sobre a reclassificação de imóveis em holdings, focando principalmente nas orientações do CARF e dos TRFs, que interpretam as normas fiscais e tributárias pertinentes a essas operações. Abaixo, destacam-se as decisões relevantes:


Cenário 1: A Reclassificação Legítima


A jurisprudência admite a reclassificação de imóveis quando há uma mudança efetiva e genuína de atividade da empresa, de acordo com o objeto social. A Solução COSIT nº 7/2021 foi aplicada nesse cenário, validando a tributação como receita operacional para empresas cujo objeto social envolvia a atividade imobiliária. TRF-3 — ApCiv 5021017-20.2020.4.03.6100 — Publicado em 20/03/2023.


Neste caso, o tribunal validou a tributação da venda como receita operacional, já que a locação do imóvel antes da venda estava de acordo com a atividade da empresa. A reclassificação foi considerada legítima, pois a venda de imóveis fazia parte da atividade prevista no objeto social da empresa.


Cenário 2: A Reclassificação Abusiva (Simulação)


Quando a reclassificação é um ato isolado e realizado com o único objetivo de evitar a tributação do ganho de capital, os tribunais consideram a operação como uma simulação fiscal. TRF-4 — Apelação/Remessa Necessária 5018428-30.2023.4.04.7100 RS — Publicado em 15/10/2024.


Neste caso, a reclassificação foi tratada como planejamento fiscal abusivo, já que a empresa não demonstrou efetivamente que a compra e venda de imóveis fazia parte de sua atividade habitual. O tribunal concluiu que a operação visava apenas evitar a tributação sobre o ganho de capital. TRF-4 — AC 5032703-87.2014.4.04.7200 SC — Publicado em 10/03/2016.


O tribunal considerou a operação uma simulação de ato jurídico com o intuito de evasão fiscal, uma vez que a venda de imóveis foi a única operação imobiliária realizada pela empresa.


Esses julgados evidenciam que a substância das operações deve prevalecer sobre a forma. A alteração do objeto social e a reclassificação contábil de imóveis não podem ser feitas de maneira oportunista, com o único objetivo de reduzir a carga tributária.


Gaps Encontrados


Durante a pesquisa, foi possível identificar alguns gaps nas normas tributárias e na aplicação da jurisprudência sobre a reclassificação de imóveis. A principal lacuna encontrada foi a falta de clareza em alguns aspectos da legislação tributária, especialmente no que diz respeito ao tratamento de imóveis reclassificados de ativo imobilizado para estoque. A interpretação das normas de tributação de ganho de capital e receita operacional ainda gera controvérsias, particularmente quando se trata da reclassificação contábil para fins de tributação fiscal.


Outro ponto crítico foi a aplicabilidade da Solução COSIT nº 7/2021, que oferece orientações importantes, mas ainda deixa espaço para interpretações divergentes sobre a tributação das receitas obtidas com a venda de imóveis que foram, inicialmente, classificados como ativos não circulantes. A jurisprudência tem tentado cobrir essas lacunas, mas a questão permanece controversa em muitos casos.


Além disso, o estudo revelou a necessidade de uma maior uniformidade nas decisões sobre a reclassificação de imóveis em holdings, especialmente no que se refere ao tratamento da receita e à aplicação dos percentuais de presunção para o IRPJ e CSLL, que variam de acordo com o tipo de atividade da holding.


Limitações da Pesquisa


A principal limitação desta pesquisa está relacionada à falta de dados empíricos sobre a aplicação prática da reclassificação de imóveis nas holdings. Embora a análise de jurisprudência e as Soluções de Consulta da Receita Federal sejam fontes importantes, não foram consideradas as experiências práticas de empresas que enfrentam essas questões no dia a dia, o que poderia enriquecer a análise teórica apresentada.


Outra limitação refere-se ao fato de que o estudo se baseou apenas em fontes primárias, como as resoluções e jurisprudências, sem a inclusão de uma pesquisa de campo ou entrevistas com especialistas contábeis ou fiscais, o que poderia fornecer uma visão mais completa sobre os desafios práticos enfrentados pelas empresas no processo de reclassificação.



Conclusão


Este estudo contribuiu para a compreensão das questões tributárias envolvidas na reclassificação de imóveis em holdings, com foco nas diferenças entre Holding Patrimonial e Holding Imobiliária, e nas implicações fiscais decorrentes da venda de imóveis. A análise das jurisprudências e da Solução COSIT nº 7/2021 revelou que, embora existam diretrizes claras sobre como a tributação deve ser aplicada, ainda existem lacunas normativas e divergências interpretativas que podem gerar insegurança jurídica.


A jurisprudência dos tribunais e as orientações da Receita Federal evidenciam a complexidade do tema e a necessidade de uma interpretação rigorosa das normas tributárias para garantir que a reclassificação de imóveis seja feita de acordo com as regras fiscais e contábeis estabelecidas.


Em termos de política tributária, é fundamental que a legislação e as orientações da Receita Federal sejam aprimoradas para fornecer maior clareza e uniformidade nas decisões, especialmente considerando os casos práticos de reclassificação de imóveis. Além disso, seria proveitoso promover uma maior integração entre a teoria jurídica e a prática contábil, a fim de evitar ambiguidades e proporcionar um ambiente de negócios mais seguro e transparente.


Referências Normativas e Jurisprudenciais


BRASIL. Lei nº 6.404/76: Regula as classificações de ativos (imobilizado, investimentos, etc.) no balanço patrimonial das empresas.

BRASIL. Decreto-Lei nº 1.598/77: Define a receita bruta e os critérios para apuração do IRPJ.

BRASIL. Lei nº 9.249/95: Trata da apuração do lucro presumido e do cálculo de ganhos de capital.

BRASIL. Lei nº 9.718/98: Regula a contribuição para o PIS/Pasep e Cofins no regime cumulativo.

BRASIL. Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017: Regula o processo de apuração de tributos, incluindo o tratamento de receitas de ativos imobilizados e investimentos.

BRASIL. Solução COSIT nº 7/2021: Define a tributação sobre imóveis locados e vendidos.

BRASIL. TRF-3 — ApCiv 5021017-20.2020.4.03.6100 — Publicado em 20/03/2023. 

BRASIL. TRF-4 — Apelação/Remessa Necessária 5018428-30.2023.4.04.7100 RS. Publicado em 15/10/2024. 

BRASIL. TRF-4 — AC 5032703-87.2014.4.04.7200 SC — Publicado em 10/03/2016. 

 
 
 

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