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Análise dos Impactos da Reforma Tributária no Setor de Serviços sob a Égide da Lei Complementar nº 214/2025

Por Raphael Jorge Tannus.


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A reforma tributária brasileira, instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, não representa apenas uma alteração legislativa pontual. Ela é uma transformação profunda no sistema fiscal nacional, cujo objetivo é simplificar, modernizar e racionalizar a tributação sobre o consumo, promovendo maior eficiência e justiça fiscal. A criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) propõe uma reestruturação ambiciosa, com consequências diretas para a organização tributária de vários setores, com destaque para o setor de serviços, que se encontra no centro dessas mudanças. Este artigo tem como objetivo analisar as implicações do novo regime tributário para os prestadores de serviços, abordando tanto os desafios quanto as oportunidades que surgem desse novo cenário tributário.


1. O Novo Eixo Tributário: IBS e CBS em Foco


A introdução do IBS e da CBS é um marco central da reforma tributária, pois eles substituem uma série de tributos complexos que incidem sobre o consumo de bens e serviços: o ICMS, o ISS, o IPI, o PIS e a COFINS. O IBS será de competência compartilhada entre Estados, Municípios e o Distrito Federal, enquanto a CBS será de competência exclusiva da União.


Para o setor de serviços, a mudança traz consigo a simplificação do compliance tributário, uma vez que a multiplicidade de obrigações acessórias será reduzida, favorecendo uma maior previsibilidade para as empresas. No entanto, a tributação conjunta de bens e serviços sob uma alíquota uniforme impõe desafios operacionais significativos. A adoção de um único imposto pode gerar dificuldades na gestão tributária, já que os prestadores de serviços precisarão adaptar seus sistemas de faturamento e planejamento tributário à nova realidade fiscal.


Exemplo prático: Uma empresa de consultoria jurídica, que antes pagava ISS no município onde prestava o serviço, passará a recolher o IBS com base na localização do consumo do serviço, ou seja, no município de residência do cliente. Essa mudança exigirá a adaptação de sistemas para identificar corretamente o local de consumo e aplicar as alíquotas correspondentes.


2. Redefinindo o Conceito de "Serviço" e os Desafios de Delimitação


A Lei Complementar nº 214/2025 apresenta uma nova definição para o termo "serviço" no contexto tributário. O Art. 3º da Lei expande o conceito de serviço, abrangendo qualquer operação que não envolva a entrega de bens materiais ou direitos. Isso inclui atividades tradicionais, como consultoria, saúde e educação, mas também incorpora novas modalidades, como aquelas associadas à economia digital.


Essa expansão conceitual traz consigo uma série de desafios interpretativos, especialmente para empresas que realizam operações mistas, ou seja, que vendem tanto bens quanto serviços, como softwares e licenciamento. O novo regime tributário impõe a necessidade de um rigoroso controle fiscal, com sistemas que permitam segregar as bases de cálculo entre bens e serviços, de modo a garantir a conformidade tributária.


Exemplo prático: Uma empresa que fornece software (bem intangível) juntamente com serviços de suporte técnico e atualização precisará separar as operações, de modo que o IBS seja aplicado corretamente, levando em conta a natureza do serviço ou do bem. Isso exigirá ferramentas de gestão fiscal robustas para garantir que as transações sejam corretamente classificadas.


3. Imunidades e Isenções: A Fronteira entre o Social e o Comercial


A reforma mantém algumas imunidades tributárias essenciais, especialmente no que tange a entidades sem fins lucrativos, como igrejas, partidos políticos, sindicatos e instituições de educação e assistência social. O Art. 9º da LC nº 214 reitera a imunidade do IBS e da CBS para essas entidades, desde que observados os requisitos constitucionais e legais.


Contudo, essa imunidade não é absoluta. Ela se limita às atividades essenciais dessas entidades, não se aplicando a operações comerciais ou concorrenciais. Caso as entidades realizem operações com contraprestação financeira, como a venda de produtos ou serviços em um mercado competitivo, elas perderão o direito à imunidade, sendo tributadas de acordo com as novas regras.


Exemplo prático: Uma instituição educacional sem fins lucrativos que oferece cursos regulares de graduação está imune ao IBS e à CBS sobre essas atividades educacionais. No entanto, se a instituição passar a vender livros ou materiais didáticos para seus alunos, as receitas oriundas dessas operações estarão sujeitas à tributação, uma vez que são de natureza comercial.


4. Plataformas Digitais como Agentes de Arrecadação


Uma das inovações mais notáveis da reforma tributária é a atribuição de responsabilidade tributária às plataformas digitais, que desempenham um papel central na economia de serviços. O Art. 22 da Lei Complementar nº 214/2025 estabelece que tanto as plataformas domiciliadas no Brasil quanto as de fora, responsáveis por intermediar transações entre consumidores e fornecedores, serão corresponsáveis pela arrecadação do IBS e da CBS.


A plataforma digital, ao intermediar uma transação, será responsável pelo recolhimento dos tributos devidos pelos fornecedores que utilizam seu marketplace. Essa medida visa combater a evasão fiscal na economia digital, mas exige um grande esforço tecnológico e processual para a implementação do split payment (pagamento dividido), no qual o valor do tributo é segregado e recolhido automaticamente durante a transação.


Exemplo prático: Uma plataforma de marketplace como Mercado Livre será responsável por reter o IBS devido sobre as vendas realizadas por seus vendedores. Isso significa que a plataforma atuará como um agente arrecadador, recolhendo o imposto no momento da venda, antes de repassá-lo aos respectivos entes federativos.


5. O Desafio Territorial: O Princípio do Destino e a Gestão de Alíquotas


A adoção do princípio do destino para a incidência do IBS (Art. 11) determina que o imposto será devido no local onde o serviço é consumido. Para empresas que operam em múltiplos estados ou municípios, essa mudança impõe desafios consideráveis na gestão de alíquotas.


O Brasil, com sua enorme diversidade fiscal, apresenta uma complexidade adicional: a variação das alíquotas de IBS entre diferentes jurisdições. Embora a unificação dos tributos reduza o número de impostos, a gestão das alíquotas pode exigir um controle fiscal detalhado, dado que os estados e municípios poderão definir alíquotas diferentes para o IBS, resultando em uma carga administrativa mais alta para empresas com operações em várias regiões.


Exemplo prático: Uma empresa de consultoria que presta serviços em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais terá que monitorar as diferentes alíquotas de IBS aplicáveis em cada estado, garantindo que o tributo seja recolhido corretamente conforme o local de consumo dos serviços. Essa gestão de alíquotas exigirá sistemas de automação fiscal para assegurar conformidade.


6. Quadro-Síntese: Desafios e Oportunidades


Desafios Imediatos:


Complexidade de Adaptação: Empresas que prestam serviços de natureza mista (bens e intangíveis) precisarão ajustar seus sistemas fiscais para refletir a nova tributação.


Insegurança Jurídica Inicial: A aplicação de conceitos novos e imprecisos pode gerar litígios e dúvidas interpretativas.


Oportunidades de Longo Prazo:


Simplificação Sistêmica: A unificação de tributos reduz a burocracia tributária, facilitando o compliance.


Transparência e Conformidade: A implementação do split payment e a responsabilidade das plataformas digitais promovem maior transparência e controle fiscal.


Aumento da Competitividade: A reforma tende a criar um ambiente de negócios mais claro e eficiente, favorecendo as empresas que se adaptarem rapidamente.


Conclusão: Navegando em um Novo Paradigma Fiscal


A transição para o modelo dual do IBS e da CBS é um marco significativo para o setor de serviços, trazendo benefícios em termos de simplificação tributária e eficiência. Contudo, os prestadores de serviços enfrentam o desafio de se adaptarem a um novo regime de apuração fiscal e de implementarem sistemas tecnológicos para garantir conformidade. A reforma, que se estenderá até 2035 para sua plena consolidação, exige uma postura proativa das empresas para se posicionarem estrategicamente no novo cenário tributário. As empresas que ajustarem seus modelos operacionais e fiscais estarão mais bem posicionadas para transformar os riscos da transição em vantagens competitivas duradouras.


Referências


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br

. Acesso em: 3 out. 2025.


BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional previsto na Constituição Federal. Brasília, DF: Presidência da República, 2023.


BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Institui normas gerais de tributação sobre o consumo de bens e serviços por meio do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS)

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Tannus Sociedade de Advogados - OAB/SP 11312. 

Jorge Tannus Sociedade de Advogados - OAB/SP 18145.

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